segunda-feira, 22 de junho de 2009

NADA DEVE PARECER IMPOSSÍVEL DE MUDAR: REFLEXÕES ACERCA DO SEMINÁRIO IMPASSES DA POLÍTICA CRIMINAL CONTEMPORÂNEA

Ricardo Lara[1]
“Suplicamos expressamente: Não aceiteis o que é de hábito como coisa natural, pois em tempo de desordem sangrenta, de confusão organizada, de arbitrariedade consciente, de humanidade desumanizada, nada deve parecer impossível de mudar.” (Bertolt Brecht)

Como parte de mais uma das etapas que precedem a 1ª Conferência Nacional de Segurança Pública: Bases para a Construção de uma Segurança Pública Cidadã, ocorreu no Rio de Janeiro, nos dias 3, 4 e 5 de junho de 2009, o Seminário Impasses da Política Criminal Contemporânea, promovido pela Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, pelo Núcleo de Estudos de Políticas Públicas em Direitos Humanos da UFRJ, e pelo Instituto Carioca de Criminologia.
Aberto pela criminóloga venezuelana Lola Anyar de Castro e encerrado pelo Ministro da Suprema Corte Argentina o Prof. Eugenio Raúl Zaffaroni, o seminário buscou analisar as questões referentes aos problemas da política criminal, das drogas, do encarceramento em massa, entre outros; mas não sob ótica dos poderosos que acreditam que o lucro é mais importante do que as pessoas, desses pensadores conservadores, também conhecidos como think tanks, que através do auxílio luxuoso da mídia difundem a doutrina conservadora de um Estado Penal Máximo tentando fazer com que as pessoas acreditem ser possível resolver os problemas sociais com Direito Penal.
Coitados. Exatamente o contrário foi proposto. Avançando na contramão do pensamento conservador o seminário mostrou que é possível um novo olhar sobre os problemas da política criminal, e que é necessário desmistificarmos e derrubarmos o até então inabalável dogma do encarceramento em massa, que é, para dizermos como Nilo Batista, um dos pilares da religião da pena, pois sabemos que o discurso re, de ressocializar, reeducar, reinserir, não funciona, somente se efetivando a reincidência e a rejeição social.
Fazendo uma análise a partir de textos clássicos como Vigiar e Punir, de Michel Foucault, Cárcere e Fábrica, de Dario Melossi e Massimo Pavarini, e Punição e Estrutura Social, de Georg Rushe e Otto Kirchheimer, o Prof. Juarez Cirino dos Santos nos mostrou, na mesa sobre Pena e Política, que o cárcere como aparato de poder e com a função de controle social exerce desde os primórdios do capitalismo a função de conservar e reproduzir as desigualdades, mostrando que numa sociedade notadamente de classe tende-se a dirigir o processo de criminalização para formas do desvio típicas das classes subalternas.
Na mesa sobre Cultura do Encarceramento em Massa, nós do Grupo de Amigos e Familiares das Pessoas em Privação de Liberdade, apresentamos, na figura do Prof. Virgílio de Mattos, um texto coletivo, denunciando os horrores do presídio de Ibirité - MG. Apresentamos não um trabalho sedentário, de secretária e de papel, trabalho de janelas fechadas e de cortinas corridas, de biblioteca, mais sim um trabalho que foi “botar a mão na massa”, que foi a campo, e agora denuncia as inadmissíveis condições a que estão submetidas as pessoas encarceradas naquele local que mais parece um campo de concentração para pobres.
Com isso conseguimos mostrar para todo o país o que o governo da social-democracia mineira esconde através da mídia gorda, que a seu lado obtém lucros astronômicos. Mostramos também as quatro campanhas do Grupo que são: as lutas contra a revista vexatória, contra a privatização dos presídios, a favor da construção de Apac’s e a favor do Plano Nacional de Saúde Prisional.
Na mesma esteira de querermos uma sociedade onde não haja patifarias público privadas no sistema penitenciário, ou melhor, onde não haja sequer sistema penitenciário, queremos também uma sociedade sem nenhum tipo de segregação, que também seja livre de manicômios.
Passado - sem autorização da organização do evento - um filme sobre manicômios, foi pedido pelo Prof. Virgílio o direito de resposta, repudiando veementemente a idéia do filme que prega de forma canhestra, retrógrada e vergonhosa a segregação do portador de sofrimento mental para todo o sempre nos moldes de um modelo que data do século XIX.
Marcada pela reflexão teórica da criminóloga Rosa Del Olmo, na mesa A Face Oculta da Droga, foram discutidas a necessidade de “desdemonizar” e desmistificar o fetiche midiático criado em torno do traficante, além de fazer suscitar indagações como por exemplo: A quem interessa o tráfico de drogas? Quem lucra com ele? Por que criminalizar algumas substâncias e liberar outras? Se os EUA lançam pelo mundo a fora campanhas de guerra as drogas, porque os países que são por eles comandados ( Afeganistão diretamente e Colômbia indiretamente) são os que mais produzem drogas. Ainda na mesma mesa Vera Malaguti foi incisiva ao afirmar que devemos descriminalizar tanto o usuário quanto o traficante.
Nos debates acerca da influência da mídia, na mesa Mídia e Estado Policial, Sylvia Moretzsohn magistralmente mostrou como que ancorada no sensacionalismo, com brutais encenações em forma de violência, e alto conteúdo simbólico, a mídia, no melhor tom volkish, chega ao povo não para informar e formar pessoas, mas para moldá-las conforme os padrões desejados, alimentando a sensação de que a delinqüência sobe inexoravelmente e que a sociedade deve se proteger, criando uma falsa situação, que gera no público medo e insegurança, desaguando em manifestações pedindo o fim da violência ou despertando um sentimento de vingança em todos aqueles que, graças ao sensacionalismo midiático, veem por alguns momentos na televisão um “monstro sem coração” cometer um determinado crime.
Não sendo possível esmiuçar o conteúdo de todas as palestras e mesas de discussão apenas gostaria de colocar, para finalizar, o questionamento de Zaffaroni ao final de sua palestra de encerramento: “Será que no fundo não existe um erro de significação, será que não estamos vivendo numa civilização doente, gravemente neurótica e finalmente pergunto se os nossos pais originais do paraíso experimentaram o fruto da sabedoria ou não teriam ao acaso experimentado o fruto da árvore da vingança?”. Zaffaroni diz não saber a resposta. Eu particularmente, embora saiba que o mundo está cheio de gente vingativa e interesseira, não posso deixar de acreditar que existe uma saída para o problema em que nos encontramos.
Galeano diz que às vezes terminam mal as histórias da História, mas esta não terminará. É preciso acreditar no fim da segregação via Direito Penal, e eu acredito.
Venceremos, por certo venceremos.
[1] Advogado Criminalista e Membro da Comissão Jurídica do Grupo de Amigos e Familiares das Pessoas em Privação de Liberdade.

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