Sr. Ministro
José Eduardo Cardoso,
Há semanas,
o senhor expressou, em evento público, a sua preferência por morrer a se
subjugar a uma prisão brasileira, ocasião em que adjetivou o sistema prisional
brasileiro como “medieval”. Indagado sobre as medidas possíveis à superação do
descalabro do sistema prisional brasileiro, acenou para a construção de 60 mil
novas vagas até 2014.
Antes de
mais nada, cumpre-nos felicitá-lo pela ousadia em admitir os horrores que
definem os cárceres brasileiros e que há tempos vemos e denunciamos, sem, no
entanto, encontrarmos ecos nos gabinetes das diversas instâncias
governamentais, dos diversos juízos de execuções, promotores, parlamentares,
etc.
No entanto, mais importante do que admitir as mazelas
do cárcere é elaborar política adequada à superação do problema. E, nesse
ponto, discordamos integralmente da solução que o senhor apresenta!
Como se
sabe, o Brasil tem hoje a quarta maior população carcerária do mundo (atrás
apenas de Estados Unidos, China e Rússia), com mais de 515 mil pessoas presas. Entre 1995 e 2011, a população carcerária
brasileira saltou de 148 mil para aproximadamente 512 mil pessoas presas:
recrudescimento de 245%. No mesmo intervalo de tempo, a população brasileira
cresceu 23% (IBGE).
Em agravo a
esse quadro já crítico, notamos um total descaso com os direitos mais básicos
da pessoa presa: apenas 10% têm acesso a
alguma forma de educação; somente 20% exercem atividade remunerada; o serviço
de saúde é manifestamente frágil, com quadro técnico incompleto e diversos
casos de graves doenças e até de óbitos oriundos de negligência; as unidades
são superlotadas: o Brasil tem a maior taxa de ocupação prisional (168%)[1]
entre os países considerados “emergentes”.
Em tamanho
cenário de violações, a talvez mais abjeta delas campeia: a tortura. São
dezenas de denúncias que sucumbem sob descaso do Poder Público que não lhes dá
o menor crédito.
Também a
discriminação de classe é estruturante do sistema carcerário brasileiro.
Impunidade, no Brasil, somente aos “grandes”. A população mais pobre (sobretudo os jovens e negros), pauperizada em
uma história de injustiças sociais iniciada desde a invasão portuguesa, segue a
superlotar um sistema prisional seletivo e degradante.
Essa seletividade revela-se ainda
mais ultrajante se consideramos o quadro da população carcerária feminina. São cerca de 35 mil mulheres
presas no Brasil, o que corresponde a 7,4% do total de presos. Apesar do
reduzido número, quando comparado à população prisional masculina, nos últimos
dez anos, houve um aumento de 261% da população prisional feminina, enquanto no
mesmo período a população masculina aumentou 106%. Entre
os anos de 2005
e 2010, das 15.263 mulheres que foram presas no Brasil, quase 10 mil o foram
por tráfico de drogas, ou seja, aproximadamente
7 em cada 10 mulheres presas neste período são acusadas por tráfico de drogas.
Recrutadas em
massa para o precário e perigoso trabalho de comercialização dos psicotrópicos,
muitas vezes para sustento do próprio consumo do entorpecente, e sem ocupar
postos de gerência na complexa cadeia do tráfico de drogas, as mulheres são,
juntamente com a parcela pobre de nossa juventude, o principal alvo da guerra
às drogas.
Bom lembrar que
a maioria esmagadora das pessoas presas por tráfico de drogas é composta por
pequenas comerciantes ou mesmo por meras usuárias.
Como se
verifica, não apenas temos um sistema carcerário superlotado e degradante, mas
também um sistema permeado de prisões ilegais, abusivas e discriminatórias.
Surpreende-nos que, diante deste
cenário, o Governo Federal ainda fale em construir mais presídios. Ora, mais
presídios para quê? Para quem?
Precisamos, urgentemente, reduzir
a população prisional. Para ontem! Não é admissível que ainda se despenda
orçamento público para a construção de novos presídios quando se forma o
consenso de que a maioria da população prisional poderia estar solta!
Enquanto o senhor fala em
construir novos presídios, centenas de jovens, quase sempre pobres, quase
sempre negros, são mortos ou presos de forma abusiva cotidianamente.
Observe São Paulo, estado que tão
bem conhece, no já demitente ano de 2012: são centenas de chacinas e execuções
sumárias, admitidas pelo próprio Delegado Geral do Estado; paralelamente às
chacinas, por mês entram, em média, 9.000 pessoas no sistema carcerário e saem
6.000 (ou seja: são 3.000 pessoas a mais a cada mês nas prisões paulistas).
A construção de mais presídios
não atende a interesses públicos, mas sim a escusos interesses privados. Nos corredores do Governo
Federal, são cada vez mais numerosas as vozes entusiastas da privatização do
sistema prisional. Há projeto de lei a versar sobre o assunto e, nos estados,
aumentam os anúncios e as iniciativas de criação de unidades prisionais
privatizadas.
Por qualquer ângulo que se
avalie, a privatização jamais poderá ser honestamente defendida como solução
que atende ao interesse público. Obviamente, o custo da prisão aumentará, até porque não há
iniciativa privada desprovida de apetite pelo lucro. Aquelas mesmas pessoas
alijadas do exercício dos mínimos direitos fundamentais serão agora insumos
para os interesses capitalistas.
Não precisamos construir mais
unidades prisionais, tampouco podemos admitir que a restrição à liberdade seja
objeto de exploração pela iniciativa privada!
Na qualidade
de Ministro da Justiça, o senhor conta com uma série de expedientes capazes de ao
menos aplacar os principais problemas por detrás da superlotação e da
degradação carcerárias: o encarceramento em massa, a tortura e os massacres
impingidos diariamente contra os mais pobres desse país.
Para tanto,
poderia o senhor, por exemplo, se empenhar para barrar o processo de endurecimento
penal, para desmilitarizar as polícias e para criar o mecanismo de prevenção à
tortura com garantia da participação popular na escolha de seus membros.
Poderia, ainda, aproveitar o importante instrumento do indulto, que confere ao
Governo Federal a possibilidade de livrar da prisão tod@s aquel@s que
manifestamente não poderiam estar pres@s.
Mais do que tudo isso, é
fundamental que o senhor reveja a posição pela construção de mais presídios. A
superlotação não deriva da ausência de políticas para a construção de presídios
(nos últimos 20 anos, o Brasil saltou de 60 mil vagas para 306 mil vagas
prisionais), mas sim, reiteramos, das prisões abusivas, ilegais e
discriminatórias executadas contra as pessoas mais pobres desse país.
O “Programa Nacional de Apoio ao
Sistema Prisional” é um equívoco que reclama urgente reparo, sob pena de contribuir ainda mais
para a expansão do sistema e da população prisionais.
Esperamos do senhor audácia e
coragem para romper com esse processo de encarceramento em massa que está a
serviço da reprodução e do aprofundamento das desigualdades sociais e da violência!
PASTORAL
CARCERÁRIA NACIONAL - CNBB
[1] LONDON. King´s College,
International Centre for Prison Studies. Disponível em: http://www.prisonstudies.org/.