Maira
Scavuzzi
Ricardo
Vidal
Em um sistema de
controle austero como a do presídio, a identidade do apenado tem a sua
individualidade esmagada por um conjunto de dispositivos disciplinares, que lhe
priva o direito sobre o próprio corpo. A relação de poder incidente sobre ele
impõe severas restrições, das quais, sentimento de dor, abandono, vazio,
solidão, carência, falta de perspectiva e apatia são apenas algumas de suas
conseqüências. Dessa forma, o preso que vive à base de vigilância e punição
longe do convívio em sociedade, acaba “desaculturando-se” e não encontrando
qualquer significado no espaço arquitetônico da prisão, onde a rede de relações
internas o anula e o despersonaliza. A instituição carcerária produz a sensação
de perdas pessoais, descaracterizando sua identidade adquirida anteriormente nas
relações com a família, amigos, na escola, nas instituições religiosas e nas
atividades profissionais.
Nesse sentido, a educação nos presídios
apresenta-se como verdadeira possibilidade de libertação interior dos apenados,
buscando ser uma maneira de resistir ao processo de perdas que são submetidos.
Como diz Paulo Freire: “não podendo tudo, a prática educativa pode alguma
coisa”. Além disso, a educação nos presídios traz consigo a possibilidade de
eliminar a sensação de desatualização que o isolamento provoca nos presos,
mantendo-os informados em relação às mudanças que acontece no mundo
externo.
A prática educativa no presídio, além dos
papeis possíveis – de preencher o tempo, distrair a mente, sair das celas -, é
um momento na penitenciária em que os prisioneiros vivem experiências numa
situação de interação baseado na possibilidade do respeito mútuo, de troca e
cooperação motivada por uma causa diversa da vingança, do ódio ou da rejeição. A
prática educativa oferece ao preso a possibilidade de resgatar ou aprender uma
ou outra forma de se relacionar, funcionando como um espaço onde as tensões se
mostram aliviadas, contribuindo para a desconstrução da identidade de criminoso
e justificando seu papel ressocializador. Ela deve ser o ponto de encontro dos
diferentes pavilhões, representando verdadeiro campo de interação entre
diferentes concepções de mundo.
No plano jurídico, entende-se pelo artigo 205
da Constituição Federal que o Estado deve aparelhar-se para garantir à
totalidade da população educação. Por educação entende-se o “processo de
desenvolvimento do indivíduo que implica numa boa formação moral, física,
espiritual e intelectual, visando ao seu crescimento integral para um melhor
exercício da cidadania e aptidão para o trabalho.” (BASTOS, Celso Ribeiro. Curso
de Direito Constitucional.22 ed. São Paulo: Malheiros, 2010. p. 673). O estudo,
portanto, é importantíssimo propulsor da inserção do indivíduo em
sociedade.
Num Estado que tem por fundamentos a cidadania
e a dignidade da pessoa humana (art. 1º, II e III, CF) e que apregoa enquanto
objetivos a erradicação da pobreza e da marginalização, a redução das
desigualdades sociais e regionais, bem como a promoção do bem de todos sem
preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer formas de
discriminação (art. 3º, III e IV, CF), é conseqüência lógica atribuir à pena
finalidade social de ressocialização: a pena não pode ser vista enquanto simples
castigo a servir de flagelação pessoal.
Haja vista as conquistas da educação, quais
sejam, aprimoramento moral do indivíduo, preparo para o exercício da cidadania e
do trabalho, dentre outros, claro está que o processo educacional é meio
apropriado à consecução da finalidade ressocializadora da sanção penal. Em razão
disto, doutrina e jurisprudência caminharam para a utilização da educação na
seara criminal, como forma de estímulo, garantindo ao preso o direito ao
abatimento da pena em função de dias de estudo. Quanto a isso o Superior
Tribunal de Justiça, na súmula 341, garantiu na referida que “a freqüência a
curso de ensino formal é causa de remição de parte do tempo de execução de pena
sob regime fechado ou semi-aberto”. Em termos de legislação, os avanços fazem-se
presentes: o Senado Federal, em recente deliberação, aprovou o projeto de Lei
265/06 que visa regulamentar a remição por estudo a fim de torná-la plenamente
aplicável e, por conseguinte, exigível pela população carcerária.
Por fim, a prática educativa oferece ao preso
uma espécie de capital que não lhe poderá ser roubado, pois, ainda que
desprovido de sua liberdade, a todo ser humano é reservado o direito a educação,
bem como o respeito à sua dignidade, e, por isso mesmo, já se apresenta
carregando a valorosa missão de construir um novo olhar acerca da própria
identidade do presidiário.